sábado, 17 de outubro de 2015

Energia e Ato Mediúnico

A mediunidade, conforme os estudos já realizados, é uma faculdade natural. Não está, pois, restrita a época, lugar ou religião. Sendo assim, a sua manifestação prática é o que se denomina por ato mediúnico. Para dar uma idéia mais clara a respeito, recorremos mais uma vez a José Herculano Pires:


“O ato mediúnico é o momento em que o espírito comunicante e o médium se fundem na unidade psico-afetiva da comunicação. O espírito aproxima-se do médium e o envolve nas suas vibrações espirituais. Essas vibrações irradiam-se do seu corpo espiritual atingindo o corpo espiritual do médium. A esse toque vibratório semelhante ao de um brando choque elétrico, reage o perispírito do médium. Realiza-se a fusão fluídica. Há uma simultânea alteração no psiquismo de ambos. Cada um assimila um pouco do outro. Uma percepção visual desse momento comove o vidente que tem a ventura de captá-la. As irradiações perispirituais projetam sobre o rosto do médium a máscara transparente do espírito. Compreende-se então o sentido profundo da palavra intermúndio. Ali estão, fundidos e ao mesmo tempo distintos, o semblante radioso do espírito e o semblante humano do médium, iluminado pelo suave clarão da realidade espiritual. Essa superposição de planos dá aos videntes a impressão de que o espírito comunicante se incorpora no médium. Daí a errônea denominação de incorporação para as manifestações orais. O que se dá não é uma incorporação, mas uma interpenetração psíquica, como a luz atravessando uma vidraça. Ligados os centros vitais de ambos, o espírito se manifesta emocionado, reintegrando-se nas sensações da vida terrena, sem sentir o peso da carne.”[1]

Essa descrição do ato mediúnico envolve, como se pode ver, três elementos fundamentais: vibrações espirituais, perispírito e centros vitais. O primeiro é o que corresponde à energia mediúnica e sobre o qual vamos falar um pouco mais, seguindo a delimitação do título. Iniciaremos, desde já, com o comentário da citação para desenvolver a análise proposta sobre o ato mediúnico.

Embora seja um texto que possa ser aplicado a todas as variedades de expressões mediúnicas, ele limita dois aspectos práticos: a incorporação ou interpenetração psíquica e a natureza do espírito comunicante. Esse tipo de manifestação eleito por H. Pires é o que pode dar uma melhor idéia de como se processa essa fusão em unidade psico-afetiva, pois o espírito não entra no corpo do médium como em uma caixa vazia. É preciso, então, conhecer um pouco sobre perispírito, responsável por assegurar a continuidade biopsíquica do encarnado. Os centros de vitalidade ou chakras, que são os responsáveis diretos pelas atividades orgânicas e o elo que torna possível a junção entre espírito, perispírito e corpo. E é justamente por meio da ligação entre os chakras do espírito comunicante e do médium que aquele pode reintegrar-se momentaneamente nas sensações da vida terrena interrompidas pela morte.

O elemento fundamental para essa interpenetração psíquica é a energia ou fluidos, conforme denominação kardeciana. Para dar uma idéia da importância desse elemento para a realização do ato mediúnico, vejamos o que diz César Lombroso, em “Hipnotismo e Mediunidade”, sobre práticas ritualísticas em algumas culturas antigas:

“Os sacerdotes Frígios, da deusa Cíbele, eram chamados ‘curetos’ ou ‘coribantes’ e também ‘Galos’; usavam na festa de Cíbele, conduzir a imagem da deusa, dançando ao redor da mesma, e, depois, com a espada desembainhada, cortavam a pele, flagelando-se, castrando-se, gritando em altas vozes, e, cantando, atiravam os órgãos no lugar sagrado. Em seguida, vestiam-se de mulher.”[2]

“Os magos patagônios, as sacerdotisas mexicanas, as do Sol, na Pérsia, eram mantidas em castidade absoluta. Os indianos, que tanto honram o matrimônio, acham meritório o celibato para os seus magos e santos.”

“Creio, em troca, que especialmente para os magos se pretendia, com a abstinência absoluta, provocar aqueles transtornos sexuais que se refletem com enorme excitamento do sistema nervoso, que pode conduzir ao histerismo e, assim, à mediunidade.”[3]

Observa-se assim que tais práticas, absurdas em face do conhecimento atual no campo da mediunidade, tinham como objetivo a concentração de fluidos vitais por meio da abstinência sexual. Embora Lombroso interprete essas práticas como meios de levar ao excitamento através de transtornos e resultar na mediunidade, trata-se de ritos fomentadores da manifestação de espíritos com o uso concentrado da vitalidade do médium. As energias sexuais são conhecidas de forma pragmática e mítica em diversas culturas. A Kundalini, por exemplo, é a poderosa energia conhecida no Oriente, especialmente na Índia, e que brota do chakra básico, responsável pelas funções sexuais e capaz de facultar os mais curiosos prodígios.

Há muitos outros fatos em diversas manifestações religiosas em culturas de diferentes épocas e lugares que expressam essa necessidade de manipulação das emanações fluídicas para o ato mediúnico. Embora passe pelo campo da superstição e por isso provoque a rejeição entre os estudiosos, é importante observar que a existência de energias vitais de origem espiritual vem sendo confirmada a cada dia pela ciência. A existência dos fluidos não foi revelada por meio da Codificação, e por esse motivo Kardec afirma que o Magnetismo dá uma das bases que o Espiritismo precisava, já que o conhecimento não se realiza num piscar de olhos e sim em uma acumulação de saberes através do tempo.

Como foi dito acima, a ligação dos centros de vitalidade entre o espírito comunicante e o médium, cuja base é o perispírito, decorre da assimilação ou fusão fluídica. Mas isso não se dá apenas no campo da incorporação ou interpenetração psíquica, também chamada de psicofonia. Todas as variedades de manifestações mediúnicas têm como base os fluidos. No fenômeno de materialização, por exemplo, o material que torna possível a sua realização é o que Charles Richet, Prêmio Nobel de Fisiologia de 1913, chamou de ectoplasma. Esse material é nada mais nada menos que um estado específico das emanações fluídicas do médium.

A segunda delimitação feita por H. Pires, a natureza do espírito comunicante, não é a realidade única, pois no próprio capítulo de onde foi extraída a primeira citação, cujo título é “Ato Mediúnico”, o autor fala de experiências de sessões de desobsessão marcadas por comunicações violentas. Não há em tais manifestações beleza e serenidade, mas desespero, dor, ódio. A variedade enorme de características que cada comunicação pode apresentar é fruto das chamadas idiossincrasias. Se entre nós, homens, existe uma complexidade absurda de individualidades que se integram e interagem na coletividade, na vida social, entre os espíritos há uma realidade ainda mais vasta e complexa. Primeiro, deve-se sempre ter em vista que os chamados mortos comunicantes são apenas homens destituídos de suas vestes corpóreas, carnais. Além disso, é preciso considerar a possibilidade de comunicação com seres que já passaram pelo grau de progresso ou estão aquém da escala em que se encontra a humanidade. Esses espíritos constituem outras sociedades e expressam aspectos individuais diferenciados.

O ato mediúnico, portanto, é um terreno movediço tanto para o pesquisador quanto para o médium, pois requer muito cuidado e o mínimo de conhecimento prévio acerca de seus mecanismos para a sua devida exploração. Por isso, é imprescindível a presença de espíritos colaboradores e capacitados para auxiliar os grupos espíritas, já que é nesse meio que o ato mediúnico deve encontrar terreno fértil. Tratando-se de inteligências que já alcançaram um grau de progresso espiritual, a sua vontade e presença dependem da organização e objetivos do grupo. É nisso que se fundamenta a lei de afinidade que regula a relação entre os espíritos.

Em um meio preparado, o ato mediúnico se converte em instrumento de aprendizagem e exercício da caridade. A esse propósito, a melhor forma de concluir esta pequena exposição é com a citação de mais um pequeno e incisivo trecho da obra “Mediunidade”: “A responsabilidade mediúnica não nos foi imposta como um castigo. Nós mesmos a assumimos na esperança da redenção, que não virá do Céu, mas da Terra, da maneira pela qual fizermos as nossas travessias existenciais no planeta, num mar de lágrimas ou por estradas floridas pelas obras de sacrifício e abnegação que soubermos semear. Temos o futuro em nossas mãos, o futuro imediato do dia-a-dia e o futuro remoto que nos espera nas translações da Terra em torno do Sol. Chegamos assim à conclusão inevitável de que o presente passa depressa mas o passado reponta em cada esquina do presente e do futuro.”[4]
[1] PIRES, J. Herculano. Mediunidade. pg. 37. São Paulo: Ed. Paidéia. 4ª Ed.

[2] LOMBROSO, César. Hipnotismo e Mediunidade. pg. 235. Rio de Janeiro: Ed. FEB. 1ª Ed.

[3] Ibidem. pg. 232.

[4] PIRES, J. Herculano. Mediunidade. pg. 42. São Paulo: Ed. Paidéia. 4ª Ed.



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