Religião em Espírito e Verdade
Kleber Monteiro
No Evangelho segundo João, há um
episódio em que Jesus encontra uma mulher samaritana na cidade de Sicar, na
fonte de Jacó, e lhe pede água. Ela reage com surpresa e diz: Como tu, sendo judeu, pedes de beber a mim,
que sou mulher samaritana? Era um motivo de escândalo, pois, além de mulher,
era proveniente da Samaria, cujo povo se distingue dos judeus do Reino do Sul/Judá
por uma identidade cultural/religiosa própria. Inclusive, o seu lugar sagrado é
o Monte Gerizim e não Jerusalém. Por isso, ao reconhecer em Jesus um profeta,
ela comenta: Nossos pais adoraram neste
monte, mas vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde é necessário adorar.
Jesus responde: nem neste monte nem em
Jerusalém adorareis ao Pai... os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai em
espírito e verdade, pois também o Pai busca os que assim o adoram.
Quando se fala em Deus e em
adoração a Deus, a palavra usada para situar essas falas é religião. E a religião
está permeada de significados que se referem a práticas rituais, a lugares e
objetos sagrados. Seguindo um curso contrário, a resposta de Jesus expressa a
importância atribuída ao estado de espírito, à condição íntima de sentir-se
vinculado ao sagrado sem qualquer dependência de aspectos exteriores. Nesse
sentido, o que importa não é o lugar, as vestes, os ritos. Abre-se, então, um
horizonte de ampla inclusão e a palavra religião passa a representar uma
vivência em conformidade com seu significado mais radical, o de religar, de
(r)estabelecer laços. Pouco importa se é uma mulher samaritana. Isso é religião
em espírito e verdade. Ela está no dia a dia, impregnando a vida e nos
aproximando de Deus.
Em um discurso de 1º de novembro
de 1868, registrado na Revista Espírita, cujo título é O Espiritismo é uma Religião?, Allan Kardec afirma que o
Espiritismo é uma religião no sentido filosófico, porque funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos. Por
outro lado, não é uma religião porque, na
opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; desperta
exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem.
Embora a citação que se segue
seja longa, vale a pena ler um trecho do discurso que resume o pensamento de
Kardec, consubstanciado nos ensinamentos dos Espíritos, e que tão bem discorre
sobre o que chamamos de religião em espírito e verdade:
Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom; crer na alma e
em sua imortalidade; na preexistência da alma como única justificação do
presente; na pluralidade das existências como meio de expiação, de reparação e
de adiantamento moral e intelectual; na perfectibilidade dos seres mais
imperfeitos, na felicidade crescente com a perfeição; na equitável remuneração
do bem e do mal, conforme o princípio: a cada um segundo as suas obras; na
igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios para
nenhuma criatura; na duração da expiação limitada pela imperfeição; no
livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal;
crer na continuidade que liga o mundo visível ao invisível; na solidariedade
que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e
desencarnados; considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da
vida do Espírito, que é eterna; aceitar corajosamente as provações, em vista do
futuro mais invejável que o presente; praticar a caridade em pensamentos,
palavras e obras na mais larga acepção da palavra, esforçar-se cada dia para
ser melhor que na véspera, extirpando alguma imperfeição de sua alma; submeter
todas as crenças ao controle do livre exame e da razão e nada aceitar pela fé
cega; respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam
e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da
ciência a revelação das leis da natureza, que são as leis de Deus: eis o
“Credo, a religião do Espiritismo”, religião que se pode conciliar com todos os
cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir
todos os espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ligue
todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal.
Aí está posto o desafio. Que
saibamos compreender e vivenciar a religião em espírito e verdade em cada passo
de nossas jornadas.