quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Religião em Espírito e Verdade

Religião em Espírito e Verdade
Kleber Monteiro

No Evangelho segundo João, há um episódio em que Jesus encontra uma mulher samaritana na cidade de Sicar, na fonte de Jacó, e lhe pede água. Ela reage com surpresa e diz: Como tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? Era um motivo de escândalo, pois, além de mulher, era proveniente da Samaria, cujo povo se distingue dos judeus do Reino do Sul/Judá por uma identidade cultural/religiosa própria. Inclusive, o seu lugar sagrado é o Monte Gerizim e não Jerusalém. Por isso, ao reconhecer em Jesus um profeta, ela comenta: Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde é necessário adorar. Jesus responde: nem neste monte nem em Jerusalém adorareis ao Pai... os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai em espírito e verdade, pois também o Pai busca os que assim o adoram.

Quando se fala em Deus e em adoração a Deus, a palavra usada para situar essas falas é religião. E a religião está permeada de significados que se referem a práticas rituais, a lugares e objetos sagrados. Seguindo um curso contrário, a resposta de Jesus expressa a importância atribuída ao estado de espírito, à condição íntima de sentir-se vinculado ao sagrado sem qualquer dependência de aspectos exteriores. Nesse sentido, o que importa não é o lugar, as vestes, os ritos. Abre-se, então, um horizonte de ampla inclusão e a palavra religião passa a representar uma vivência em conformidade com seu significado mais radical, o de religar, de (r)estabelecer laços. Pouco importa se é uma mulher samaritana. Isso é religião em espírito e verdade. Ela está no dia a dia, impregnando a vida e nos aproximando de Deus.

Em um discurso de 1º de novembro de 1868, registrado na Revista Espírita, cujo título é O Espiritismo é uma Religião?, Allan Kardec afirma que o Espiritismo é uma religião no sentido filosófico, porque funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos. Por outro lado, não é uma religião porque, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem.
Embora a citação que se segue seja longa, vale a pena ler um trecho do discurso que resume o pensamento de Kardec, consubstanciado nos ensinamentos dos Espíritos, e que tão bem discorre sobre o que chamamos de religião em espírito e verdade:
Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existências como meio de expiação, de reparação e de adiantamento moral e intelectual; na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos, na felicidade crescente com a perfeição; na equitável remuneração do bem e do mal, conforme o princípio: a cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação limitada pela imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade que liga o mundo visível ao invisível; na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados; considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterna; aceitar corajosamente as provações, em vista do futuro mais invejável que o presente; praticar a caridade em pensamentos, palavras e obras na mais larga acepção da palavra, esforçar-se cada dia para ser melhor que na véspera, extirpando alguma imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao controle do livre exame e da razão e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da ciência a revelação das leis da natureza, que são as leis de Deus: eis o “Credo, a religião do Espiritismo”, religião que se pode conciliar com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir todos os espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ligue todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal.


Aí está posto o desafio. Que saibamos compreender e vivenciar a religião em espírito e verdade em cada passo de nossas jornadas.

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