sábado, 17 de outubro de 2015

O que é mesmo a felicidade?

A felicidade é o fim das ações humanas. Este é o pensamento do filósofo grego nascido no ano de 384 a.C., Aristóteles. Qual é a atualidade dessa sentença? Não há dúvida de que todos buscamos aquilo que nos proporcione bem estar, prazer, realização, paz... A questão é saber se tudo isso pode ser atribuído à felicidade. O filósofo grego autor de “A Ética” considerou ser a virtude perfeita nas atividades da alma a verdadeiramente capaz de fazer alguém feliz.

Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, há um texto muito interessante e pertinente à discussão aqui proposta. O título, “A Felicidade não é deste Mundo”, já expressa o seu teor, que se confirma logo no primeiro parágrafo:

“Não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim! Exclama geralmente o homem em todas as posições sociais. Isso, meus caros filhos, prova melhor do que todos os raciocínios possíveis a verdade desta máxima do Eclesiastes: ‘A felicidade não é deste mundo.’ Com efeito, nem a fortuna, nem o poder, nem mesmo a juventude florescente, são as condições essenciais da felicidade; digo mais: nem mesmo a reunião dessas três condições tão desejadas, uma vez que se ouvem sem cessar, no meio das classes mais privilegiadas, pessoas de todas as idades se lamentarem amargamente da sua condição de ser.”

À primeira vista, há uma completa exclusão da existência da felicidade entre os homens. Daí muitos podem se perguntar se isso não seria um exagero, pois, se a vida é marcada de forma predominante por agruras e sofrimentos que caracterizam a infelicidade, há também momentos que fazem essa mesma vida valer à pena. Porém, no decorrer do texto em íntegra, há ressalvas. A verdade, contudo, é que muitos não encontram razões em suas vidas para se sentirem felizes ou passam por momentos tão ásperos que fazem do viver uma agonia sufocante.

Entram no texto, ainda, os elementos que caracterizam os maiores objetos de desejo do homem, especialmente na generalização cultural da ideologia capitalista onde a posse atribui valor e importância. Assim, fortuna, poder e juventude, são os grandes objetos de desejo da humanidade de um modo geral. Para a maioria, excluída pela própria lógica da sociedade consumista ou utilitarista, a posse desses bens em conjunto é o que garante a felicidade. Entretanto, a experiência não confirma isso. A infelicidade se encontra em toda parte e entre todas as classes e indivíduos.

Antes que alguém pense tratar-se de uma apologia à miséria, é bom que fique claro que a segurança econômica e a liberdade pessoal, ou seja, a justiça social, é o fundamento para a construção de sociedades em que seja possível o alcance da felicidade, inclusive no sentido da ética de Aristóteles. Não é possível ao homem experimentar alguma forma de felicidade, ainda que de um modo particular relacionado ao que agrada a cada um, sem a estabilidade econômica e a liberdade.

Quem pode se sentir bem aventurado passando fome e vivendo na mais degradante miséria? Ou destituído de sua liberdade, a exemplo do que acontece em regimes políticos autoritários ou perante as mais variadas formas de descriminação? Por esse motivo, Aristóteles considerou que somente uma pequena parcela da sociedade de sua época poderia ser feliz por sua condição privilegiada, o que excluía tanto os escravos quanto as mulheres. Podemos considerar que essa concepção não está distanciada da atualidade, mesmo que o homem contemporâneo não tenha em vista a contemplação como a vida verdadeiramente feliz, mas o status social e o poder econômico.

Se não basta ter posses que nos garantam viver confortavelmente e usufruir de um certo grau de liberdade em face das escolhas e decisões que precisamos tomar, o que garante realmente a felicidade? Ou, ainda, de que felicidade estamos falando?

A citação do texto retirado do “Evangelho Segundo o Espiritismo” que se baseia na sentença do “Eclesiastes”: “A felicidade não é deste mundo”, revela um modo de pensar esta vida como uma etapa pertencente aos primórdios da escala de progresso espiritual. Isso quer dizer que há fases da existência onde se pode falar de uma felicidade mais verdadeira. Conforme entendemos, e isso perpassa o pensamento de Aristóteles, não se pode atribuir a tudo o que nos é útil e bom o conceito de felicidade, pois a realização desta se dá pela perenidade. Especulando: um estado duradouro de contentamento e paz.

Isso quer dizer que não se pode aplicar o termo felicidade a todas as coisas que nos contentam. Como disse um outro filósofo grego, Heráclito de Éfeso: “Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer.”

Aquilo que me faz feliz hoje, a exemplo de uma realização profissional ou material, por proporcionar contentamento e sentimento de vitória, passa com o correr do tempo, é sempre efêmero e insustentável. Soma-se a isso o fato de vivermos em um mundo onde predominam a violência e o egoísmo. Sendo assim, por mais que se tenha motivos para ser feliz, existem as contingências históricas, e tudo o que acontece à nossa volta nos afeta.

Outro aspecto a ser considerado, partindo de uma análise espírita, é a carga de traumas que o Espírito carrega consigo. Algumas pessoas que tem tudo o que consideramos necessário para dar felicidade não se sentem felizes e vivem mergulhadas em depressões, desesperadas por não saber como mitigar as suas dores íntimas e que emergem de forma “inexplicada”. O fato de não se recordarem do foco de seus traumas é um benefício para a grande maioria, pois o convívio com essas memórias sem a preparação adequada levaria à loucura. E o preparo decorre do aprendizado adquirido com a vivência, com o esclarecimento capaz de alargar as margens da consciência e do sentido de justiça.

O esforço de Aristóteles em apresentar uma idéia de felicidade (eudaimonia em grego) que estivesse acima das circunstâncias e pudesse ser generalizada, fundamentou-se na virtude perfeita ou da alma. Mas, no momento de definir essa virtude, ele mesmo reconheceu a dificuldade ao questionar-se se alcançara o fim proposto. Ele observa na conclusão de “A Ética” que o discurso por si só não é capaz de tornar o homem bom ou moralmente melhor. Aí, o seu pensamento se encontra com os postulados espiritistas quando se fala da felicidade conquistada pelo Espírito por meio da sabedoria fruto da vivência. Se o Espiritismo a projeta para o futuro, isso não equivale à promessa de um paraíso para os eleitos a uma existência de felicidade eterna.

O problema resultante da vida humana neste mundo está nas tendências egoístas do indivíduo e no seu “espírito de posse”. Só quando houver mudança será possível falar de uma sociedade onde o destino pessoal não seja concebido separado da comunidade; quando o Espírito encontrará um meio adequado para despertar as suas potencialidades e usufruir de modelos mais perfeitos de felicidade.

Os Espíritos que experimentam essa felicidade, ainda desconhecida por nós, colheram os resultados da lei de progresso, já que passaram pela mesma etapa em que nos encontramos e a superaram com o mérito de esforços próprios e não por uma dádiva concedida por Deus. É considerando essa realidade mais abrangente da realidade espiritual que se justifica o uso da sentença: “A felicidade não é deste mundo”.

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